Por Leandro do Carmo
A Escalada na Agulha do Diabo
Dicas para escalar a Agulha do Diabo
É uma atividade pesada. Só de caminhada de aproximação, leva-se, em torno de 4 a 5 horas. A caminhada após o Mirante do Inferno é a mais crítica e costuma ficar bem úmida, dificultando bastante, por isso, avalie caso esteja em período chuvoso. Muita gente opta por acampar no Paquequer, numa pequena área antes do Mirante do Inferno (mas deve-se pedir autorização com o Parque), para sair bem cedo no dia seguinte. A escalada em si consiste em lances de entalamento e chaminés. O lance final é feito em cabo de aço. No cume, o espaço é limitado e cabem poucas pessoas. Não é muito comum encontrar grandes grupos escalando, mas há possibilidade. Se for fazer em um dia, comece bem cedo e tenha certeza de que voltará parte do caminho durante a noite.
Como chegar à Agulha do Diabo
Na trilha para a Pedra do Sino, logo após a Cota 2000, há uma saída para a esquerda. Essa trilha é conhecida como “Caminho das Orquídeas”. Siga descendo e vire à direita na bifurcação. Seguirá por um longo caminho até chegar ao acampamento Paquequer, um pequeno descampado, onde cabem poucas barracas. Dali, cruzará o rio Paquequer e subirá em direção ao Mirante do Inferno. Pegar uma saída à esquerda, que te levará ao colo entre o Mirante do Inferno e o São João. Descerá à direita, até a base da Agulha e subirá um trecho bem úmido.
Relato da Escalada à Agulha do Diabo
Quase seis anos se passaram desde a minha primeira ida à Agulha do Diabo. Já estava na hora de voltar nessa espetacular escalada. Assim como os antigos ensinamentos, algumas escaladas seguem a mesma dinâmica: um vai com um que já foi e leva outro que ainda não foi... E assim, a experiência vai se perpetuando. Nos clubes de montanhismo isso ainda é bem forte. E foi desse jeito que essa escalada foi marcada. Conversando com amigos, um sugeriu fazer a Agulha do Diabo e como na roda de conversa, eu era o único que já tinha ido, coube a eu organizar a empreitada. E com o maior prazer. Logo criamos um grupo no WhatsApp e começamos a organizar os detalhes. Primeiro foi decidir o dia. Nem todos puderam ir. No final, formamos um grupo de cinco: eu, Michel, Luís, João e o Thiago. Combinamos de sair às 5h, visto que o horário de abertura do parque é somente às 7h, mas vale a pena chegar um pouco mais cedo e aguardar na fila. Seguimos direto e já tinham alguns carros na fila. Assim que deu 7h, começamos a subir e estacionamos ao lado do Centro de Visitantes para assinar os termos. Já tinha duas cordadas para subir a Agulha, todas comerciais, algo que aumentou consideravelmente nos últimos anos. Depois dos trâmites burocráticos, seguimos para o estacionamento, onde nos preparamos e começamos a caminhar.
A caminhada
Eram 7 horas e 40 minutos quando iniciamos a caminhada. Fomos direto até a Barragem e entramos na trilha do Sino. Seguimos subindo num bom ritmo. Fomos revezando as cordas, assim não ficaria pesado para ninguém. Demos uma boa esticada, parando somente na entrada da trilha do Paredão Paraguaio, onde aproveitamos para comer algo rápido. Assim que algumas pessoas se aproximaram, iniciamos a caminhada para não atrasar. O caminho que era uma trilha bem discreta, já está bem aberto. Com certeza o volume de pessoas ali aumentou nos últimos tempos. Apesar de mais íngreme e técnico, corta um caminho considerável, principalmente para quem vai em direção à Pedra da Cruz e Mirante do Inferno. Esse é o motivo do aumento do fluxo. Mais acima, passamos pela entrada para a Pedra da Cruz e continuamos subindo até pegar uma saída à esquerda, estávamos entrando no “Caminho das Orquídeas”. O nome foi dado por Salomyth, Minchetti e Thiers, todos montanhistas do CEB, que ao procurarem um novo e mais fácil acesso à Agulha do Diabo, se depararam com uma pedra de bom tamanho coberta de musgo, batizada com nome de "Pedra do Tapete", na qual pendia uma imensidão de orquídeas em flor, daí, resolveram dar o nome do caminho de “Caminho das Orquídeas”.Assim que começamos a descer, chegamos a um lajeado e foi possível se deparar com uma vista fantástica. Estávamos de frente para o Mirante do Inferno. Ao lado esquerdo, víamos o São João e parte da cidade de Guapimirim, do lado direito, o São Pedro. Bem mais ao fundo, a ponta da Agulha do Diabo. Esse seria o nosso primeiro contato com ela. O dia aberto e firme dava a certeza de que teríamos uma grande escalada. Fizemos algumas fotos e iniciamos a descida. Era um caminho bem delicado e fiquei impressionado com a degradação nas bordas do caminho. Alguns trechos ficaram bem escorregadios por conta da lama formada, mas com cuidado continuamos descendo. Cruzamos um córrego com bastante lama e foi difícil passar sem molhar o pé. Mas seguimos firmes até chegarmos ao acampamento Paquequer. Ali, encontramos uma das cordadas que estavam à nossa frente e aproveitamos para fazer um lanche reforçado, visto que é um ponto de coleta de água. Descansamos bem e continuamos nossa caminhada. Voltamos a subir e logo pegamos uma discreta saída à esquerda e seguimos em direção ao colo entre o Mirante do Inferno e São João. Foi um trecho na qual não lembrava muito bem, mas segui à frente sem problemas. Já no colo, ponto que antecede a descida para o “Vale da Geladeira”, tivemos o segundo contato coma Agulha, esse sim completo. É uma vista de arrepiar. Difícil de acreditar que em pouco tempo estaríamos naquele cume. Ventava forte, talvez potencializado pelo canal formado entre as montanhas, com isso não foi possível ficar muito tempo ali. Tínhamos que voltar a caminhar. O trecho a seguir era bem delicado, com muita pedra solta.
Assim que todos chegaram, começamos a descer. Em pouco tempo já estávamos bem abaixo. Num lance o bastão de caminhada do Luís caiu e o peguei. Fui caminhar com ele e depois de uns três passos, escorreguei e minha mão esquerda bateu com força no chão, diretamente nos dedos. Foi uma for forte, mas mexi os dedos e não senti nada fora do lugar, tinha sido só a pancada mesmo. Na hora, com o sangue quente, não foi um problema, mas no dia seguinte que o inchaço foi forte. Acho que o bastão me fez ter a falsa sensação de que estava mais tranquilo e acabei me desconcentrando. Entreguei logo o bastão e voltei a caminhar mais concentrado. Mais abaixo, voltamos a subir num trecho bem molhado. Escorria água por todos os lados e não foi fácil, mais uma vez, percorrer o caminho. Só que agora estávamos subindo. Lembrei que teríamos volta e subida seria descida, assim como a descida, subida. Mas para que sofrer por antecipação? De volta à subida, seguimos passando pelos trechos difíceis até chegar à grutinha, onde tínhamos um lance de chaminé, tendo que passar por um buraco bem apertado, já um aquecimento para os trechos da escalada. Fomos passando um por um e dali até a base, foram poucos metros. Lá, a primeira cordada já estava na via e a segunda, se preparando para subir. Não tinha espaço para todos no pequeno platô, com isso alguns ficaram mais embaixo.
A escalada
No platô, nos arrumamos e a segunda cordada que estava na nossa frente ainda demorou um pouco em sair. Estávamos perdendo um tempo precioso. Assim que eles subiram, nos preparamos seguir. Dividimos nossas cordadas assim: Eu, Thiago e Luiz e outra era o João Pedro e o Michel. O João seguiu escalando e o Luís, logo em seguida. A primeira enfiada segue num trecho usando uma canaleta bem à esquerda, ganhando um bloco. Após o João subir, o Michel sentiu um puxão forte na corda e ouvimos um barulho. Na hora, nem percebemos, mas o João tomou uma queda, devido à quebra de um arbusto. O Luís subiu em seguida, dando segurança para mim e o Thiago. Assim que passamos pelo João, vimos que ele tinha machucado o dedo. Ele fez o curativo e seguimos na escalada. Fizemos nossa parada logo após a diagonal. Subi e parei mais acima, antes de um trecho meio de entalamento. O Luís chegou e tocou essa próxima. Subiu e ganhou o friso, fazendo um lance até chegar ao platô, onde subimos eu e o Thiago. Dali seguiu por mais uma horizontal, num trecho exposto até chegar a um platô, onde seguiu andando até a parada que usamos para o rapel na volta. Dali para cima, seguimos andando numa trilha, passando por baixo de alguns blocos, até a base onde fazemos as chaminés.
Organizamos as cordas e voltamos para a escalada. Cada um foi subindo da sua forma. Dá para ver claramente para onde devemos seguir. Fomos até ao final do corredor, subindo uma chaminé, passando por um buraco e ganhando um bloco. O Luís estava à frente e segui por uma horizontal, dando uma parada num grande bloco entalado, que antecede um lance que dá para artificializar para chegar ao platô. O Michel passou por mim e foi para junto do Luís que subiu e montou uma parada bem na borda do platô. Subi em seguida, indo direto ao platô. Ali organizei novamente a corda para deixar tudo pronto para o “cavalinho”. Fiz um lanche rápido para entrar no trecho final da escalada. Ainda aguardamos a cordada da frente por um tempo considerável. A menina que estava meio travada no lance do cavalinho, quase desistindo por algumas vezes. Depois de bastante tempo, conseguiu passar. O Luís foi em seguida. Entrou no cavalinho e seguiu para dentro da chaminé. O Thiago foi o próximo. Entrou com um pouco de dificuldade, mas passou. Fui o terceiro. Posicionei bem a perna esquerda dentro da fenda e fui passando rapidamente, sem dar muito tempo. Quanto mais demoramos, mais vai cansando. Para entrar na chaminé, ganhei um bico de pedra, mas tive que voltar e mudar a minha mochila de posição. Posicionei-me novamente no bico de pedra e consegui entrar na base da Chaminé da Unha. É bem apertado, não dava nem para movimentar os pés. Na posição que eu estava, fiquei. Só dava para mexer a cabeça lá dentro. O Michel chegou em seguida e se posicionou mais na entrada da chaminé.
Estava frio, mas pelo menos demos sorte de não estar ventando lá dentro. Era hora de subir a Chaminé da Unha. Ela começa bem estreita, mas melhora depois que chegamos num pequeno friso, onde existe uma segunda laca, simplesmente apoiada nessa maior. Como o Luís havia subido primeiro, montou a segurança e nós aguardamos até a cordada de cima ir ao cume. Fui subindo lentamente para dar tempo da cordada subir. Dei uma parada nesse pequeno platô que divide as lacas que formam a unha. O Michel chegou logo em seguida. Ficamos ali durante um tempo, pois não tinha espaço para todos no topo da unha. O Thiago já estava lá e assim que liberou, também subi. Sentei ao lado do Luiz, enquanto e ainda aguardamos um pouco enquanto o pessoal já terminava o rapel. Assim que o caminho foi liberado, pudemos começar a entrar no cabo de aço e começar a fazer cume. O Luís seguiu primeiro. Fui dando segurança e logo ele chegou. O Michel já estava no topo da Unha conosco, enquanto o João subia. O sol já havia ido embora e o vento deixa o fim de tarde bem frio. Minha mão doía e ficar com ela exposta foi duro. Era ficar movimentando, pois ainda tinha o trecho do cabo de aço para passar e fazer força no cabo com mão gelada, gera um certo incômodo, mas era subir ou subir. Era aproximadamente de 16 horas e trinta minutos quando o Luís chegou ao cume. Fui logo em seguida. Já no cume, pude contemplar toda aquela imensidão. Só de pensar que há pouco tempo atrás estava olhando lá de baixo. Aproveitei para fazer algumas fotos e assinar o livro de cume. Aos poucos todos subiram e nos reunimos para a tradicional foto de cume.
Iniciamos o rapel. Fizemos o primeiro até o topo da Unha e mais um até o platô do Cavalinho. Com muito cuidado descemos até os grampos para o terceiro rapel. O chão estava bem escorregadio. Do platô fizemos um até a base da chaminé e descemos andando até o último rapel. Dali, emendamos duas cordas e fizemos um até a base. O Michel foi o último e optou por parar e fazer mais um rapel, visto que como estávamos com duas cordas, elas poderiam agarrar quando fosse recolhida. Eram 18 horas e 10 minutos quando todos chegaram à base, a escuridão tomou conta. Foi preciso acender as lanternas. Ali, arrumamos tudo e aproveitei para comer algo bem rápido. Começamos a descida e fizemos um rapel curto acima da grutinha, evitando ter que passar por dentro dela. Se já foi difícil na ida, imagina agora? Já estava bem cansado e com tudo molhado e escorregadio, descer parece ser pior. Fomos lentamente e logo começamos a subir em direção ao colo entre o Mirante do Inferno e São João. A subida foi delicada, havia muita pedra solta e sem visibilidade, todo cuidado era pouco. Às 19 horas e 20 minutos já estávamos na trilha do Mirante do Inferno e 25 minutos depois, estávamos descansando no Paquequer. Ali pudemos relaxar um pouco. Foi hora de fazer um lanche reforçado e descansar para o trecho final. Falava uma subida até a bifurcação da Pedra da Cruz e depois só descida. Havia duas pessoas que estavam dormindo no Paquequer, iriam fazer a Agulha no dia seguinte. Uma estratégia diferente. Era hora de voltar a caminhar.
De volta à trilha, subimos o Caminho das Orquídeas e entramos na trilha que passa na base do Paredão Paraguaio. Agora era só descida. Era só ligar o piloto automático e deixar levar. O bate papo da ida deu espaço ao silêncio total, quebrado somente pelo som da natureza. Não enxergava nada além de uns dois metros a minha frente, bastava apagar a lanterna que a escuridão era total. Caminhamos relativamente próximos, mesmo distantes, conseguíamos ver a luz da lanterna do outro. Sempre com sensação de que o próximo ponto de referência nunca chegava, seguimos descendo e foi um alívio chegar à Cachoeira do Véu da Noiva. Fiz uma parada rápida, hora de recuperar um pouco de energia para o trecho final. Era 22 horas e 17 minutos quando chegamos à Barragem. Dali até o carro foi mais uns 15 minutos. Foi um alívio chegar. Iniciamos a caminhada às 7 horas e 33 minutos e terminamos 15 horas depois. Um belo teste de resistência. Mas ainda não havia acabado, faltava a volta. E voltar dirigindo não foi uma tarefa das mais fáceis. Descemos a serra de Teresópolis e tudo fechado, nem loja de conveniência de Posto de Gasolina funcionando. Por sorte, achamos um posto perto da entrada de Magé. E foi um milagre! Foi só entrarmos que a loja fechou a porta. Mas pelo menos fomos muito bem atendidos, mesmo com os funcionários já querendo ir embora. Foi comer um lanche e beber o um energético para o ânimo e humor voltarem com força, ficando bem mais tranquilo chegar em casa. Deu até para separarmos os equipamentos. Um dia cansativo, mas escalar a Agulha do Diabo é literalmente assim: do inferno ao céu em pouco tempo!
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