Por Rana Montanha
Sempre ouvi falar da
tamanha dificuldade da travessia da Serra Fina, que devido à falta
de água e ao grande desvio de altitude, era uma das trilhas mais
exigentes do Brasil. Quando mais de uma pessoa virou e disse que a
travessia Marins-Itaguaré era mais difícil me surpreendi, tinha de
conferir. A começar por uma delas então.
Tudo se inicia com o
convite da AndreÍna para esta missão organizada pela Keila, no
feriado de Tiradentes. Eu e Sandro nos juntamos ao grupo quase
fechado e demos início à preparação, afinal a temporada estava
apenas começando e estávamos fora de forma. Fizemos algumas trilhas
mais ou menos puxadas nas semanas anteriores e aumentamos o consumo
de água em 50%, pois segundo relatos de pessoas que já haviam feito
a travessia, a falta de água era o maior problema.
Na sexta-feira, dia
17 de Abril, partimos para Penedo afim de pernoitar lá e estarmos na
base do Marins às 7h da manhã seguinte. Éramos 4: eu, Sandro e os
marinheiros Davi e Silveira. Chegamos em Penedo às 23h e fomos tomar
banho (the last) e dormir.
1º Dia (18/04/15):
Penedo - Base do Marins - Pico dos Marins
Acordamos e às 4h30
estávamos na estrada. Tomamos café no Graal e assistimos o sol
nascer na estrada Lorena-Itajubá. Keila nos havia passado todas as
indicações bonitinho até a base, havia dois caminhos: um mais
longo que ia por uma estrada de terra bem social, e outra mais
rápida, por uma estrada de terra terrível que só passava 4x4. Ao
entrarmos em Piquete vimos uma convidativa placa com os dizeres “Pico
dos Marins”, nos empolgamos e entramos nela felizes. Adivinha qual
caminho fomos? Sim, o pior. Nosso carro era 4x4? Nãããão...., mas
o piloto era!
A estrada era
lindíssima e perigosa, víamos o Pico dos Marins e outro todo
charmoso ao lado, ambos recebendo os primeiros raios de sol. Mas a
atenção não podia ser desviada, afinal estávamos à beira de um
abismo e a cerca de arame farpado não parecia que fosse segurar o
carro nas curvas. O carro ia sofrendo na estrada, mas seguia em
frente. Até o crux: uma subida íngreme que era necessária tração
em ambas as rodas. Sandro tentou uma, duas, três vezes e nada.
Saímos do carro com as cargueiras, novas tentativas e nada. O tempo
ia passando, demoramos uma meia hora ali. Desceram dois montanhistas
na estrada dizendo que era impossível passar naquele trecho, que até
4x4 sofria, e que a melhor opção era dar meia volta, retornar tudo,
e seguir pelo outro caminho. Íamos demorar 1h30 com isso, mas não
tínhamos escolha... Quem disse?? Sandro parecia ter se dado por
derrotado e deu meia volta no carro. Quando nos dirigíamos até o
carro para entrar Sandro grita: “Sai de trás!”. Engata e ré
sobe a toda velocidade de costas. Ninguém acreditou quando ele
mandou o lance sem a menor dificuldade... foi realmente algo
inesquecível! A expressão de satisfação do Sandro era impagável,
sabia que não ia desistir.
Entramos no carro e
seguimos nosso caminho. Passamos pela tão esperada imagem de Nossa
Senhora e às 7h30 chegamos na base dos Marins.
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Foto
de início da trilha / Galera perdida nas nuvens
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A galera já estava
terminando de se aprontar. Ao todo éramos 12 guerreiros: Keila,
Serginho Xpada, Gisele, Matheus, Leandro, Andreína, Ivan Diesel,
Emerson, Sandro, Davi, Silveira e eu. Tiramos foto e partimos às 8h.
O início da trilha
é bem tranqüilo, no final dela subimos por uma estradinha até o
morro do Careca, que tinha um visual espetacular. De lá nós víamos
nosso destino do dia, o Pico dos Marins, e o Marinzinho, ambos
parcialmente entre nuvens. No final da estrada havia duas trilhas,
pegamos a da esquerda e seguimos até a bifurcação do último ponto
de água do dia. Á direita era o caminho a ser seguido, a da
esquerda nos levava até outra bifurcação em que pegando a direita
levava até um pequeno riacho. Enchemos as garrafas e voltamos para
seguir até nosso objetivo. A partir deste o ponto a subida não
acabava mais, era um costão sem fim, quase uma Isabeloca
(Petrô-Terê). As nuvens chegaram com vontade e junto com elas o
vento gelado. O visual era zero, a temperatura caía, o que nos
ajudava a economizar na água e nos impedia de ficar muito tempo
parado, o que acelerava a subida. Subimos e contornamos o morro pela
esquerda. Era necessária muita atenção para não errar o caminho,
sempre havia algum totem indicando ou uma discreta seta amarela na
rocha. Havia pontos que tanta gente errava que começava a se abrir
outra trilha que não dava em lugar nenhum, o GPS nos foi muito útil.
Era um trepa-pedra
interminável, alguns só se acreditava que dava para passar depois
que passava. Encontramos um casal de idosos no meio da subida que nos
deixaram impressionados com tamanha vitalidade. Passamos por um lance
de escalada em uma fenda de dez metros que demorei a crer que o
caminho realmente era por ali.
Chegamos ao ponto de
bifurcação entre o caminho de quem segue para a travessia (em
frente) e outro que ia para o Marins (à direita). Um grupo de 10
pessoas passou por nós com mochilas de ataque, iam fazer a travessia
em um dia. E nós tocamos em direção aos Marins.
Então passamos pela
parte mais confusa da travessia. Havia muita nuvem e haviam totens
para todos os lados. Conseguimos nos encontrar com a ajuda do GPS,
passamos por um charco e paramos para almoçar num chapadão bem
social, eram 13h. Em seguida chegamos ao acampamento um pouco antes
do costão final até o cume. Alguns resolveram acampar por lá, mas
a maioria seguiu e chegamos ao cume às 14h, com as nuvens aos poucos
se tornando menos densas.
A área de camping
era abrigada do vento, montamos as barracas e descansamos um pouco.
Aos poucos chegavam cada vez mais gente, fomos explorar o cume e
assistir ao pôr-do-sol. Davi, Silveira, Serginho e Gisele que haviam
acampado lá embaixo, nos encontraram no cume. Nesta hora as nuvens
se dissiparam, o vento deu uma trégua, limpou tudo. As montanhas se
exibiram para nós, enchendo nossos olhos e as câmeras fotográficas
de beleza. O sol se foi gracioso, deixando um tom alaranjado em um
dos pontos mais altos de São Paulo*, até a escuridão enfim tomar
conta.
O cume estava
lotado, havia montanhistas que apreciavam a natureza e
não-montanhistas que puxava fumo, falavam alto e colocavam música
alta. Fizemos nosso jantar com direito a feijoada, estrogonofe com
purê de batata liofilizado que estava com uma cara ótima. Em meio
às conversas surgiu a história do temido Corpo Seco, um ser
(ninguém explicou direito o que era) que sugava a alma dos
montanhistas desavisados (é isso mesmo?? Rsrs).
Fomos dormir às
20h, a noite estava estrelada e o dia seguinte prometia ser lindo.
*A título de
curiosidade, o Pico do Marins (2420 m) é considerado o pico mais
alto de São Paulo a estar inteiramente dentro do território de São
Paulo. Picos próximos como a Pedra da Mina (2798 m) e o Marinzinho
(2432 m) são maiores, porém fazem divisa entre São Paulo e Minas
(fonte:
http:/
/pt.wikipedia .org/wiki/ Pico_dos_ Marins). Alguns consideram o
Pico do Marinzinho como um setor do Pico do Marins, nomeando este
último como o segundo ponto mais alto de São Paulo. Sejamos
francos? Pontos altos de São Paulo: Pedra da Mina > Pico do
Marinzinho > Pico dos Marins. O terceiro lugar não vai diminuir
sua beleza.
2º Dia (19/04/15):
Pico dos Marins - Acampamento antes do Itaguaré
A promessa foi
cumprida, o dia amanheceu lindo. Acordamos 5h30 para ver o famoso
nascer do sol do cume dos Marins. Davi subiu sozinho no cume para ver
o espetáculo conosco. O sul surgiu tão gracioso quanto se foi, uma
bola laranja, bem ao lado do Pico do Itaguaré, nosso destino na
travessia. O tempo estava ótimo, com poucas nuvens, conseguimos
avistar a Pedra Redonda, Marinzinho, Serra Fina...
Tomamos nosso café
ao calor do sol com direito a um cafezinho de montanha delicioso, não
ventava. Começamos a descida do cume às 7h30, Ivan Diesel estava
sentido uma torção no pé e estava duvidoso se ia continuar a
travessia, o que foi rapidamente esquecido depois do sangue
esquentar. Na verdade sua disposição em caminhar era muito maior
que a minha, por exemplo, rsrs. Enquanto descia o cume eu me
perguntava quão delicioso seria descer aquele costão na chuva...
Encontramos com o
pessoal que acampou embaixo e seguimos nosso caminho. Um pouco depois
nos abastecemos de água em um rio escondido (um pouco acima do local
aonde tinha a placa da existência de coliformes fecais), e com a as
mochilas pesadas começamos a subida do Marinzinho, que de ‘zinho’
não tinha nada. Passamos por um charco que era necessário muita
criatividade e fé para não afundar até o joelho, muitos não
tiveram essa sorte... Nesta hora eu agradeci a Deus por ter comprado
um bota impermeável alguns dias antes da viagem. Ótima aquisição.
Para a subida do
Marinzinho era necessário ter mãos livres e firmes, qualquer queda
faria um belo estrago. A pedra era bem aderente e afiada, todos
ficaram com cortes nas mãos. O tempo estava ótimo e o visual era
belíssimo, o que atrapalhou a subida de seu Emerson que não sabia
se segurava na rocha ou pegava a câmera para bater foto rsrsrs... No
topo do Marinzinho passamos pelo caminho que ia para o abrigo do
Maeda, e seguimos em frente até a descida por corda fixa. Descemos,
subimos, nos perdemos, nos achamos e finalmente chegamos na Pedra
Redonda (que não é Redonda!!), aonde paramos para almoçar. As
nuvens finalmente nos alcançaram e chuviscou por dois minutos, para
depois o sol voltar com força total. Passamos por vários campos de
capim maiores que nós, que era ótimo para se desorientar, mas o
Serginho que ia na frente parecia que farejava o caminho. Um grupo
que fazia a travessia no sentido oposto passou por nós surgindo do
nada entre o capim gigante.
Chegou um momento em
que entrei em uma espécie de transe devido ao cansaço e confesso
que não me lembro de muita coisa, só de quão belo era o lugar. O
sol estava forte, lembro que passei o protetor e isso me pareceu que
atraiu a chuva, que começou a cair 5 minutos antes de chegarmos a
uma área de acampamento grande o suficiente para nossas 6 barracas.
Eram 16h, foi necessário um verdadeiro trabalho em equipe para
montarmos as barracas sem molhar por dentro. Entramos nelas e ficamos
conversando e ouvindo as piadas da Andreína, que cada vez ia se
superando mais rsrsrs. In de pen dance Day?? Tá de sacanagem... a
melhor!
Lá pelas 18h a
chuva deu uma trégua, foi o tempo certo de prepararmos a janta, tão
boa quanto à da noite anterior, com direito a arroz com caldo de
galinha! Enquanto cozinhávamos, víamos a silhueta do poderoso
Itaguaré em meio aos relâmpagos; estávamos sozinhos na montanha,
sentimento maravilhoso. Nossa única preocupação era com a água
que acabava e com as luzes que piscavam no meio do mato, o Corpo Seco
nos observando...
Quando a chuva
recomeçou percebemos o quão camarada São Pedro estava sendo. Nosso
problema era a falta de água, ele manda chuva. Eu e Sandro colocamos
a panela e o prato na calha da barraca e conseguimos captar 2 litros
de água, problema resolvido. Fomos dormir às 21h e apaguei até o
dia seguinte.
3º Dia (20/04/15):
Acampamento - Pico do Itaguaré - Final da travessia
Acordamos às 6h, o
céu estava limpo e as poucas nuvens estavam avermelhadas pela
aurora. O Itaguaré nos observava todo charmoso, esperando nossa
visita. Tomamos café e levantamos acampamento, às 8h já estávamos
caminhando.
Não me recordo de
quantas vezes tivemos que retirar as mochilas das costas para passar
nos lugares apertados do caminho. Chegamos à base do Itaguaré às
9h30, deixamos as cargueiras por lá e atingimos o cume. O Itaguaré
estava em meio às nuvens, e com seus 2307 m de altura, reinava
soberano em seu entorno. Seus paredões e abismos me lembravam as
Prateleiras, no PNI. Confesso que estava meio apavorada com a altura,
diferente do Silveira que resolveu se pendurar na beirada do abismo
para uma foto que não ficou tão boa assim... foi mal rsrsrs. As
nuvens às vezes se retiravam, nos possibilitando a ver todo o
percurso da travessia. Leandro resolveu explorar o cume e acabou
encontrando um tesouro de um jogo internacional de caça ao tesouro
(é isso??), em que se você retirar o “tesouro”, deve deixar
outro no lugar.
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Cume do Itaguaré |
O Itaguaré para mim
se resumiu em duas palavras: medo e fascínio. Em alguns pontos,
qualquer escorregão resultaria na mais bela morte que um montanhista
pode ter.
Descemos do cume e
prosseguimos nossa caminhada. Passamos pelo tão esperado ponto de
água e por áreas de acampamento belíssimas. A vontade era de ficar
por ali, meditando em meio ao silêncio das montanhas, mas tínhamos
de continuar.
Uma descida íngreme
resultou em vários escorregões e nos vídeos mais engraçados da
travessia rsrsrsrs. Encontramos um grupo de conhecidos da Keila que
faziam a travessia no sentido oposto. A partir deste ponto a descida
foi uma trilha na floresta, que massacravam os joelhos. Tempos depois
naquela descida eu estava no já conhecido transe, só despertado
pelo surgimento de um oásis: um rio caudaloso. Depois de 2 dias sem
tomar banho, aquele foi um dos mergulhos de rio mais gostosos que já
dei, renovou a alma.
Chegamos ao final da
trilha às 13h, a Kombi do resgate já no local. Enquanto voltávamos
para a base dos Marins, caiu uma chuva de serra gostosa. A região
era muito tranqüila e bucólica, passamos por várias plantações
de tomate que tivemos o prazer de experimentar alguns. Ao chegarmos
na base, o almoço estava nos esperando, uma delícia, com direito a
uma cervejinha para brindar a aventura.
De barriga cheia,
nos despedimos dos companheiros de aventura e perrengue e pegamos o
caminho, agora o certo, até a Dutra. Seguimos então para o Rio de
Janeiro, para nossas preocupações bobas e cotidianas, que nos
motiva a sempre buscar refúgio nas montanhas.
Valeu galera, foi
uma viagem maravilhosa! Adorei conhecer esse lugar incrível, estar
nas montanhas e com pessoas super alto astral! Partiu para próxima!
BTBW!
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Da esquerda para direita: Marinzinho, Pedra Redonda,
Itaguaré, galera BTBW!
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Mais um cume |
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Chegando... |
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Na van |
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Descendo o Marinzinho |
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Descida do Itaguaré |
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Pedra Redonda ao fundo |
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Pedra Redonda |
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Pico do Itaguaré |
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BTBW no Pico do Marins |
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Pico do Marinzinho |