quarta-feira, 23 de junho de 2021

Chaminé Cachoeiro – Pico do Itabira

Por Luis Avellar

Relato

Foto: Pico do Itabira

No dia 4 de junho de 2021 fiz a minha primeira escalada clássica fora do Rio de Janeiro e, de longe, a minha via mais longa até hoje. A Chaminé Cachoeiro no Pico do Itabira, Cachoeiro de Itapemirin/ES. Foram 17h escalando e 26h até voltar para a base. Um tipo de via que você sai achando que nunca mais vai voltar, mas quando toca o chão da base na volta, dá aquela sensação única de missão cumprida. É uma vontade leve..., mas crescente, de voltar um dia. Nesta via teve Arbusto que virou personagem da escalada, um encontro contrariando todas as probabilidades, avistamentos de corujas brancas, seus filhotes e ninhos com ovos. Também teve ninho de urubu, corda prendendo no final da via, escalada varando a noite, bivaque não planejado e tudo que uma aventura precisa para ficar na memória de um montanhista.

Tudo isso começou com uma proposta do Leandro e Blanco. Fazer uma viagem para fora do estado para escalar. O objetivo era escalar a Chaminé Cachoeiro do Pico do Itatiba, uma escalada clássica do Espírito Santo, próxima da cidade de Cachoeiro de Itapemirim. Na época, não conhecia nada sobre o pico ou qualquer via do Espírito Santo, mas já gostei da ideia e comecei a me planejar. No início era uma escalada com duas cordadas de 2, mas logo se transformou em uma cordada de 3 com a desistência do Marcelo Correia. Ele ainda estava voltando a pegar o ritmo de escaladas mais fortes. Sendo assim, a cordada seria formada por mim (Luis Avellar), Blanco e Leandro do Carmo.Todos do CNM.

A viagem aconteceu no feriado de Corpus Christi entre o dia 3 e 6 de junho de 2021. No primeiro dia, fomos até o Pico do Frade com outras pessoas do CNM que estavam na viagem. A via é bem fácil e o acesso era próximo dos Chalés dos Frades, onde estávamos hospedados. No dia seguinte (sexta-feira, 4 de junho) iríamos acordar cedo para fazer a via. Porém nessa quinta sofremos mais uma baixa na cordada, o Leandro.

Na verdade, a baixa já era esperada, mas nesse dia tivemos certeza que o Leandro não iria ter condições de ir. Durante o nosso treinamento para a via, subimos duas chaminés clássicas do Rio, a Chaminé Stop e Chaminé Gallotti no Pão de Açúcar. Na segunda começamos pelas duas primeiras enfiadas do Lagartão e emendando na Gallotti. Na saída do lance da meia lua, num domínio de platô, Leandro acabou apoiando uma costela na rocha e acabou forçando ela durante o movimento. A costela não quebrou, mas gerou dores que impossibilitaram sua subida ao Itabira. O teste definitivo foi na subida dos degraus para o cume do frade na quinta-feira. Leandro teve muita dificuldade e percebeu que não tinha condições de encarar a via no dia seguinte.

(Foto: Luis e Leandro no cume da Pedra do Frade) Desta forma, fomos apenas eu e Blanco para tentar a via. Vimos instruções do acesso no guia de Escaladas Capixabas e lemos os poucos relatos de repetições. Pelos relatos percebemos que a via era bem estafante, longa, com muitos trechos de escalada fechados por vegetação e árvores secas. Alguns bons escaladores desistiram no meio e voltaram, outros tiveram que dormir no meio da parede e os mais bem sucedidos chegaram ao cume de madrugada, dormindo lá (o que acabou sendo o nosso caso). Também, como não sabíamos como seria o acesso ou se conseguiríamos entrar pela propriedade do pessoal do @eco_park_itabira (que descobrimos serem pessoas muito simpáticas e hospitaleiras). Saímos apenas no nascer do sol e já estávamos esperando descer no meio da via sem chegar ao cume.

No entanto, ao chegar à propriedade nos deparamos com o portão fechado.O filho dos proprietários nos encontrou por acaso. Ele disse que teríamos que marcar entrada com antecedência. Nesta hora já começamos a pensar que teríamos ter que abortar a missão. Porém, ao contatar a proprietária, ela disse que estava tudo acertado e que poderíamos entrar. Não entendemos na hora, mas subimos até o estacionamento da casa e fomos muito bem recebidos.

Nesse ponto aconteceu algo muito improvável que mudaria a nossa história no Itabira. De acordo com o pessoal local, a Chaminé Cachoeiro não havia sido repetida há pelo menos 2 anos. No entanto, contra todas as probabilidades, dois escaladores chegaram logo em seguida para fazer a mesma via. Os dois eram o Gustavo Diniz (@diniz.gustavo) e a Lívia Cardoso (@liviascardoso) do CERJ.

Eles já chegaram bem mais confiantes do que nós. Estavam bem equipados, com direito a clip stick, cobertor de emergência, muitos móveis e tudo que pudesse precisar para superar esse desafio. Eles nos propuseram fazer uma união de forças CERJ/CNM para vencer o desafio. Ainda afirmaram: “Não vamos descer antes de conquistar o cume!”

Essa atitude nos animou, mas ainda estávamos descrentes que seria possível terminar a via. Eu e Blanco combinamos de decidir de seguir com eles e avaliar se continuaríamos dependendo do andamento da escalada. O deadline para desistir seria 15h.

Seguimos para a base da via por uma trilha bem aberta com trechos de corda fixa e degraus de vergalhão até a base da via. O filho da proprietária nos guiou até quase na base da via. Avistamos o começo da subida, que era um misto de agarras e chaminé até a parada (P1).

1° Enfiada

Foto: Blanco na Primeira Enfiada

Começamos a escalar às 8h. Gustavo logo se prontificou a começar guiando, seguido pela Lívia. Ele puxou as mochilas com uma corda e logo subiu o Blanco e eu.

O começo da enfiada é relativamente fácil, com boas agarras e pequenos platôs. No final começa um trecho de chaminé mais larga em que precisa esticar bem as pernas, com as costas ainda na parede, para conseguir passar. Ali já deu para sentir o gostinho do que seria quase toda a via, que é predominantemente em chaminé, indo de muito estreita até larga.

Como a P1 era em um platô muito estreito (como iriamos ver em quase todas as paradas), o Gustavo seguiu para a segunda enfiada, enquanto Lívia e Blanco ficaram na P1. Eu acabei ficando pendurado pela corda no final da enfiada, meio sentado, meio entalado na chaminé.


2° Enfiada

Na segunda enfiada era necessário subir um pouco mais até um grampo “pé de galinha” antigo, montar um rapel e fazer um pêndulo saindo do primeiro sistema de chaminés para a P2 que fica bem abaixo de outra chaminé que corre em paralelo. No nosso caso, colocamos um móvel para servir de backup do grampo antigo.

O pêndulo é um pouco desconfortável de fazer. O grampo fica bem dentro da chaminé e é preciso sair indo numa diagonal bem forte e curta para a direita. Algumas mãos e pés bons na saída da chaminé ajudam a fazer o lance melhor.

Foto: Lívia após o primeiro pêndulo.

Gustavo chegou até a P2, seguido pela Lívia e já começou a adiantar a terceira enfiada. Eu e Blanco ficamos esperando na P1.

3° Enfiada

A terceira enfiada tem trechos de escalada expostos, em fenda, chaminé e agarras. Chega em um grampo alto dessa chaminé e faz um novo pêndulo para a direita até a P3. Gustavo decidiu sair do grampo anterior até a P3 em uma horizontal. Acabou funcionando bem, já que a fenda não é tão funda e a passada é um pouco mais fácil que a anterior. A P3 é uma parada dupla bem aérea, em que se fica pendurado apoiado em pés pequenos. Mais acima começa o terceiro sistema de chaminés que seguem em paralelo nessa parte. Essa segue até chegar ao cume.

Enquanto eu e Blanco estávamos chegando nesta parada, Gustavo começou a escalar até a P4.

4° Enfiada

Foto: Gustavo na chaminé apertada da quarta enfiada.

A quarta enfiada começa com uma fenda pequena que se torna uma chaminé apertada. Essa chaminé é tão apertada que te obriga a tirar o capacete para conseguir virar a cabeça ou sair um pouco da chaminé, ficando bem mais exposto. Esse é um dos CRUXs da via, um 6° grau. Durante essa parte Gustavo teve até que afrouxar um pouco a cadeirinha para conseguir passar.

Logo depois é preciso passar por uma vegetação no meio da chaminé que atrapalha bastante a passagem. Mesmo tentando desviar, volta e meia éramos “capturados” por galhos que entrelaçavam no equipamento e nos seguravam.

Gustavo parou em uma proteção dupla logo antes do segundo trecho de mato fechado, onde há blocos de pedras entaladas em uma chaminé média. Achávamos que ali já era a P4, já que esta dupla não estava no croqui. Acabamos contando as paradas erradas até a P6 por conta disso. A partir daqui começamos a quebrar a cabeça tentando entender onde estávamos na via.

O “CRUX do Arbusto”

Esse trecho merece um capítulo próprio. Essa via tem um Arbusto que acaba sendo um personagem próprio nesta saga. Tenho certeza de que nenhum integrante dessa cordada, das cordadas anteriores ou, possivelmente, das próximas vai esquecer! Esse elemento da natureza se tornou um CRUX vivo da via!

Gustavo continuou guiando nessa parte, conseguiu avançar bem antes da P4 verdadeira. Aqui encontramos o nosso personagem. Ele estava solitário e tranqüilo em seu esplendor, no meio da chaminé que deveríamos passar. O Arbusto se mostrou bem mais fechado que o anterior. Parecia intransponível à primeira vista. Gustavo ficou bastante tempo tentando ver uma possibilidade de passar do arbusto. Chegou até a entrar mais na chaminé por trás dos blocos entalados e tentar passar por trás num buraco bem estreito, na esperança de contornar nosso amigo. Só que, o buraco não seguia muito adiante e terminava no meio desse arbusto.

As enfiadas até aqui acabaram sendo bem demoradas por conta dos pêndulos e do trecho de vegetação, bloqueando o caminho. Já era perto de 14h e eu comecei a pensar que teríamos que começar a descer. Ainda faltavam muitas enfiadas e começamos a pensar, que dificilmente chegaríamos ao cume de dia. No entanto, vendo a dificuldade e empenho do Gustavo, resolvi ir até ele para ajudar. Chegando lá, encontrei Gustavo tentando subir entalado no buraco dando de cara no Arbusto de novo, agora pelo lado de dentro da chaminé.

Aquele trecho, de fato, parecia intransponível. Galhos se espalhavam por toda a passagem, bem resistentes e pontudos. Uma quantidade muito grande de galhos secos ainda ficava presa no emaranhado, piorando a situação. Não havia como contornar. Tínhamos que perturbar a paz do Arbusto. O único jeito foi passar por dentro dele em um trecho vertical sem a possibilidade de usar algum pé ou agarra da rocha.

Foto: "O Arbusto" visto de cima.

Gustavo me deu uma segunda segurança por dentro do buraco me puxando para junto da rocha. Comecei retirando todos os galhos soltos que conseguia. Depois comecei a tentar mover alguns galhos para o lado para passar. Era bem difícil. Os galhos eram bem resistentes ao movimento. Com muito esforço achei um lugar melhor para empurrar. Gustavo retesou a corda, encaixei um pé na única parte acessível da rocha e subi uns 50cm, para dentro do arbusto.

A situação ali ainda era pior. Mais galhos por toda a minha volta, ainda mais resistentes, muitos na minha cabeça. Todo o equipamento agarrava a cada movimento. Não conseguia nem mover a cabeça direito para olhar em volta. A partir daqui tinha tantos galhos em volta de mim que tive certeza que não cairia mesmo que quisesse. Era mais fácil ficar preso de vez.

Consegui afastar alguns galhos bem duros, me espremer e passar devagar, lutando para o Arbusto me deixar passar. Tive que, efetivamente, “nadar” nos galhos, já que não conseguia mais alcançar qualquer parte da rocha. Uma hora o arbusto desistiu de mim e achou mais fácil me deixar passar. Mas, até tirar a perna de dentro foi difícil. Por sorte (ou azar) o arbusto era tão forte que nem parecia que eu tinha passado por ali. Ainda estava intacto, mesmo depois dos puxões e pisadas que dei para passar. Cheguei, enfim, na P4 verdadeira (achando que era a P5).

Foto: Platô da P4

Essa parada é na parte de baixo de um longo trecho de chaminé. O platô era bem pedregoso e apertado, passando uma pessoa por vez ou duas apertando, mas a chaminé era bem funda.

Dei segurança para o Gustavo, Blanco e Lívia, em seguida. Todos passaram com a mesma dificuldade e, mesmo depois do último, o Arbusto se manteve imponente e sólido onde estava. De fato, dá para considerá-lo como um CRUX da via em si.

Quando chegamos nesta parada já passava de 15h e tínhamos que fazer uma escolha. Descer dali ou continuar, correndo o risco de dormir na parede. Só que, o Gustavo e a Lívia, com sua animação característica, nos animaram a seguir. Disseram que as primeiras cordadas eram as mais trabalhosas por conta dos pêndulos e vegetação fechada e que poderíamos chegar ao cume ainda com luz. Na empolgação da passagem pelo CRUX do arbusto, fomos ingênuos em acreditar que ainda poderíamos dormir na pousada naquela noite.

Curiosamente, nessa parte e em uma enfiada acima, encontramos ninhos de corujas brancas, animal que nunca tinha visto antes. Gustavo chegou a ver uma coruja adulta voando e um ninho com um ovo. Eu só consegui ver um outro ninho em uma enfiada a frente com dois filhotes já nascidos e bem maiores do que imaginava para um filhote de coruja. Também, encontramos ninho de urubu com um ovo perto das últimas enfiadas.

Foto: Lívia na quinta enfiada

5° Enfiada

Apesar do nosso otimismo inicial, a via não ficou mais fácil a partir daqui. Para cima haviam trechos técnicos e enfiadas mais longas. Além disso, boa parte da nossa energia havia sido consumida nas enfiadas anteriores e muita energia ainda seria necessária para as próximas.

Esta enfiada começou com Blanco substituindo o Gustavo na guiada. O trecho de chaminé era mais constante e de dificuldade média, mas bem longo. Em algumas partes precisa ficar bem esticado quando a chaminé ficava mais larga. Começamos a levar as mochilas penduradas na cadeirinha. A estratégia de rebocar todas as mochilas de uma vez, foi abandonada depois da luta da Lívia para empurrar as mochilas através do “CRUX do Arbusto”. Como eu e Blanco levamos apenas uma mochila, o primeiro da cordada subia mais leve, enquanto os demais subiram cada um com uma mochila pendurada.

Subi logo após o Blanco. A P5 é um pequeno platô de pedra no final do trecho de chaminé. Não dava para ficar em pé por conta dos galhos de uma arvore. Livia e Gustavo começaram a subir logo em seguida. Peguei um folego, bebi um pouco de água, dei uma olhada no croqui, deixei a mochila na parada e comecei a guiar a enfiada.

6° Enfiada

Como estávamos contando as paradas errado, achávamos que essa era a sétima enfiada. A enfiada que mais difícil da via.Terminar a 7° enfiada antes de escurecer seria um alívio. Sendo assim, me apressei e comecei a escalar na esperança de estar seguindo para a P7. Contornei a arvore e comecei a subir. Estava esperando dois grampos logo na saída, mas não encontrei nenhum. Pensei, “Pow, que estranho, né? Este croqui está muito errado...”. Fui subindo com alguma facilidade e cheguei a uma pedra entalada em forma de laca que dividia a chaminé em duas. Fui pelo caminho mais fácil, que era pela direita. Chegando ao tetinho que tinha desse lado ia passar para a esquerda da laca. Porém, não encontrei boas mãos ou pés e desisti da ideia de passar por ali. Tirei o móvel que tinha colocado ali e desci até uma “chapeleta esquisita” que tinha antes. Pensei, erradamente, comigo mesmo, “Haa! Esse deve ser o lance de VI da 7° enfiada... Tava na hora de chegar...”. Decidi seguir para o lado esquerdo meio em chaminé e agarras e passei bem pelo lance. Fiquei surpreso de ter feito um “VI”, com tanta facilidade. Cheguei à parada, que deveria ser uma parada natural, mas encontrei uma parada dupla num platô estreito que só cabia uma pessoa. Olhei mais adiante e lá estavam os dois grampos logo na saída da parada. Demorou para cair a ficha, mas era isso. Estava chegando na P6 e não na P7.

Perguntei pro Blanco se ele ia guiar a próxima enfiada. Ele pegou um folego, deixou a mochila comigo e logo começou a escalar enquanto os outros começavam a subir até essa parada.

7° Enfiada

Logo que Blanco começou, achou estranho um trecho tão exposto e forte naquela que deveria ser a 8° Enfiada. Nessa hora já estava escurecendo e todos estavam bem cansados, mas, finalmente, caiu a ficha que estávamos na P6 ainda.

Blanco foi protegendo em móvel onde dava e progredindo com calma usando uma headlamp. Em uma parte, tinha um galho enorme atravessando um lance bem atlético do VI. Ele testou o galho e pisou nele para avaliar o lance. Quando foi tentar avançar, ouço um estalo alto. O galho caiu imediatamente e passando perto de nós abaixo. Baita de um susto. Por sorte não acertou ninguém e o Blanco caiu pouco por conta de um móvel que tinha posicionado.

Após o susto, continuou seguindo aos poucos até que acabaram seus móveis e ele teve que fazer uma parada improvisada. Nesta hora, devido ao anoitecer, ao cansaço e a sensação de não saber muito bem onde estava na via, quase desistimos de continuar. Nem Lívia ou Gustavo estavam com disposição para continuar também.

Foto: Night Climbing!

Mas não tínhamos muita escolha. Blanco não conseguia descer de onde estava ou continuar. Não tínhamos muita noção do quanto faltava para a P8 e que tipo de lances ainda tinham que ser superados para chegar lá. Juntei um pouco de folego e comecei subir. Pensei, “Pelo menos, não preciso pendurar a mochila na cadeirinha. Dá para botar nas costas mesmo, pois não tem chaminé aqui. Que bom...”. Quando a gente está no sufoco é preciso ser otimista, né?

Fui subindo os lances com o folego que tinha e consegui chegar até o Blanco. Chegando lá vi que ele tinha parado em um buraco onde ficava de lado. Deixei algum material com ele e continuei com os móveis tirei de baixo. Logo vi um piton antigo. Peguei o clip stick com o Blanco e clipei uma costura. “Pelo menos parece que estou indo no caminho certo.”. Continuei seguindo em um trecho de agarras e um trecho de chaminé até a parada natural. Enfim a P7.

Armei a segurança no começo do platô onde tinha uma árvore. Fiquei deitado e deixei a luz da headlamp apagada enquanto dava segurança para o pessoal subir. Tudo para juntar mais motivação para continuar escalando mais três enfiadas até o cume. Quem ia chegando buscava encontrar algum lugar para sentar e descansar naquela parada. A parada era grande, mas não dava para chamar de confortável.

8° Enfiada

Já sabíamos que não iriamos dormir na pousa naquela noite. A dúvida seria se iríamos dormir no cume ou se entregar ao cansaço e dormir sobre alguma pedra naquela parada. Ninguém tinha mais disposição para guiar a próxima. Mas nessa hora, Gustavo tirou o resto de energia do fundo da alma e começou a escalar a enfiada. Isso foi o suficiente para nos motivar a seguir em frente. Ele chegou bem na P8 e trouxe a Lívia logo em seguida. Fui o próximo. Cheguei à parada, substituindo o Gustavo na segurança para que ele pudesse continuar tocando.

9° e 10° Enfiadas

Foto: Cidade de Cachoeiro de Itapemirim vista da última enfiada

Gustavo passou de um lance exposto e forte logo na saída e seguiu rapidamente pelo trecho acima, passou da parada natural da P9 e parou apenas em uma parada opcional, já perto do cume. Estamos bem próximos do objetivo.

Já passava de meia noite quando cheguei nessa parada. Era um platô bem amplo com bons espaços para deitar. Armei a segurança do Blanco, enquanto Gustavo seguia para os últimos metros da via. Ele subiu bem o lance de Vsup, o último lance mais difícil da parede. Passou da P10 e foi direto para os grampos que tinha no cume. Chegando, enfim, perto de 1h da manhã no objetivo final e gritando: “Cume!!!”

A Lívia foi logo em seguida. Depois eu e Blanco. Chegamos perto de 2h da madrugada, totalizando 17h de escalada. Era um alívio ter chegado lá. Só consegui tirar o material e deitar na pedra por uns bons minutos.

Enfim cume!

Nesta hora, não ligamos mais para ter que dormir no cume. Era bom demais estar lá em cima.

Buscamos algum lugar que tivesse abrigo do vento, que já estava bem gelado. Dormi numa pequena clareira da vegetação, suficiente para conseguir deitar em um pouco de terra onde havia menos pedras para incomodar as costas. Fiquei de anoraque e uma camisa uv enrolada nos pés (já que tinha ido de chinelo e não conseguiria dormir com a sapatilha apertada). Coloquei uma corda espalhada pelo chão e dormi algumas horas sobre ela até amanhecer. Todos fizeram algo semelhante para dormir um pouco e encarar a descida, que não iria ser leve também.

Descida

Foto: No cume do pico do Itabira

Acordei perto de 6h com uma chuva caindo. Não era muito forte, mas chegou a molhar bem os equipamentos e a nós. Nos apressamos para descer. Gustavo entrou em contato com o conquistador de uma via ferrata, que terminava no outro lado no pico, para pegar informações para a nossa descida. A face dessa via não tinha fendas e era bem vertical, as vezes negativa. A vista era impressionante. Podíamos ver a base lá do cume em uma linha reta para baixo. Mais de 300 metros de abismo.

A via não tinha grampos até perto da base. A descida era feita por degraus feitos de vergalhão fincados na pedra a cada 75 cm. Começamos a descer usando duas solteiras nos prendendo aos degraus. Eram muitas centenas de degraus até a base. A mochila estava pesada e puxando o corpo para trás a cada descida de degrau. Ainda era preciso fazer o procedimento com atenção para não confundir as solteiras e acabar se enrolando. Depois de uns 30 min descendo não parecia que tínhamos chegado na metade dos degraus. Peguei uma corda dupla que usamos na escalada e começamos a descer em rapeis de 60 metros passando a corda em 5 degraus de uma vez pelo menos. Foram três rapeis desses até chegar finalmente à base. Uma das sensações mais gratificantes que tive em uma escalada. Sensação de missão cumprida!

Recompensa!

Tudo que queríamos era chegar no estacionamento da casa e seguir para a nossa pousada. No entanto, tivemos uma recepção que não esperávamos. Primeiro, fomos recebidos com garrafas de água gelada na base, trazida pelo conquistador da via ferrata, o Ezequiel. Depois, chegando à casa dos proprietários do terreno (que na verdade era uma plantação de café e outras coisas), fomos recebidos com um café da manhã muito bom. Tinha café, pão, frutas, suco de graviola, e outras coisas mais.

Conversamos, contamos histórias e fizemos bons amigos.

Agradeço a todos que fizeram parte desta história. Espero encontrá-los mais vezes pelas montanhas!


 

Luis Avellar

CNM – Clube Niteroiense de Montanhismo.

laam88@gmail.com

@luisaugustoeq (Instagram)

 


Pico do Itabira

Luis e o Pico do Itabira ao fundo na trilha de acesso.

Blanco na trilha atá a base


Luis pendurado antes da P1.


Vista da P2 de cima.


No cume do pico do Itabira

No cume do pico do Itabira 2



No meio da descida pela via ferrata


Os quatro descendo a trilha de acesso.




2 comentários:

  1. Caramba! Eram vocês? Eu sigo o blog de vocês! O Gustavo tinha falado de vcs, mas não consegui fazer a associação. Pow, parabens pela repetição e resiliência! A descrição de vcs será mto útil p outras repetições.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Fala Naoki!!! A ideia é essa! Esses relatos são importantes para futuras repetições. Já estou há um tempo com projeto de escalar a Freira. Toparia participar?

      Excluir

Comente aqui.