quarta-feira, 17 de junho de 2015

Travessia Marins X Itaguaré

Por Rana Montanha

Sempre ouvi falar da tamanha dificuldade da travessia da Serra Fina, que devido à falta de água e ao grande desvio de altitude, era uma das trilhas mais exigentes do Brasil. Quando mais de uma pessoa virou e disse que a travessia Marins-Itaguaré era mais difícil me surpreendi, tinha de conferir. A começar por uma delas então.
Tudo se inicia com o convite da AndreÍna para esta missão organizada pela Keila, no feriado de Tiradentes. Eu e Sandro nos juntamos ao grupo quase fechado e demos início à preparação, afinal a temporada estava apenas começando e estávamos fora de forma. Fizemos algumas trilhas mais ou menos puxadas nas semanas anteriores e aumentamos o consumo de água em 50%, pois segundo relatos de pessoas que já haviam feito a travessia, a falta de água era o maior problema.
Na sexta-feira, dia 17 de Abril, partimos para Penedo afim de pernoitar lá e estarmos na base do Marins às 7h da manhã seguinte. Éramos 4: eu, Sandro e os marinheiros Davi e Silveira. Chegamos em Penedo às 23h e fomos tomar banho (the last) e dormir.

1º Dia (18/04/15): Penedo - Base do Marins - Pico dos Marins

Acordamos e às 4h30 estávamos na estrada. Tomamos café no Graal e assistimos o sol nascer na estrada Lorena-Itajubá. Keila nos havia passado todas as indicações bonitinho até a base, havia dois caminhos: um mais longo que ia por uma estrada de terra bem social, e outra mais rápida, por uma estrada de terra terrível que só passava 4x4. Ao entrarmos em Piquete vimos uma convidativa placa com os dizeres “Pico dos Marins”, nos empolgamos e entramos nela felizes. Adivinha qual caminho fomos? Sim, o pior. Nosso carro era 4x4? Nãããão...., mas o piloto era!
A estrada era lindíssima e perigosa, víamos o Pico dos Marins e outro todo charmoso ao lado, ambos recebendo os primeiros raios de sol. Mas a atenção não podia ser desviada, afinal estávamos à beira de um abismo e a cerca de arame farpado não parecia que fosse segurar o carro nas curvas. O carro ia sofrendo na estrada, mas seguia em frente. Até o crux: uma subida íngreme que era necessária tração em ambas as rodas. Sandro tentou uma, duas, três vezes e nada. Saímos do carro com as cargueiras, novas tentativas e nada. O tempo ia passando, demoramos uma meia hora ali. Desceram dois montanhistas na estrada dizendo que era impossível passar naquele trecho, que até 4x4 sofria, e que a melhor opção era dar meia volta, retornar tudo, e seguir pelo outro caminho. Íamos demorar 1h30 com isso, mas não tínhamos escolha... Quem disse?? Sandro parecia ter se dado por derrotado e deu meia volta no carro. Quando nos dirigíamos até o carro para entrar Sandro grita: “Sai de trás!”. Engata e ré sobe a toda velocidade de costas. Ninguém acreditou quando ele mandou o lance sem a menor dificuldade... foi realmente algo inesquecível! A expressão de satisfação do Sandro era impagável, sabia que não ia desistir.

Entramos no carro e seguimos nosso caminho. Passamos pela tão esperada imagem de Nossa Senhora e às 7h30 chegamos na base dos Marins.
Foto de início da trilha / Galera perdida nas nuvens
A galera já estava terminando de se aprontar. Ao todo éramos 12 guerreiros: Keila, Serginho Xpada, Gisele, Matheus, Leandro, Andreína, Ivan Diesel, Emerson, Sandro, Davi, Silveira e eu. Tiramos foto e partimos às 8h.
O início da trilha é bem tranqüilo, no final dela subimos por uma estradinha até o morro do Careca, que tinha um visual espetacular. De lá nós víamos nosso destino do dia, o Pico dos Marins, e o Marinzinho, ambos parcialmente entre nuvens. No final da estrada havia duas trilhas, pegamos a da esquerda e seguimos até a bifurcação do último ponto de água do dia. Á direita era o caminho a ser seguido, a da esquerda nos levava até outra bifurcação em que pegando a direita levava até um pequeno riacho. Enchemos as garrafas e voltamos para seguir até nosso objetivo. A partir deste o ponto a subida não acabava mais, era um costão sem fim, quase uma Isabeloca (Petrô-Terê). As nuvens chegaram com vontade e junto com elas o vento gelado. O visual era zero, a temperatura caía, o que nos ajudava a economizar na água e nos impedia de ficar muito tempo parado, o que acelerava a subida. Subimos e contornamos o morro pela esquerda. Era necessária muita atenção para não errar o caminho, sempre havia algum totem indicando ou uma discreta seta amarela na rocha. Havia pontos que tanta gente errava que começava a se abrir outra trilha que não dava em lugar nenhum, o GPS nos foi muito útil.
Era um trepa-pedra interminável, alguns só se acreditava que dava para passar depois que passava. Encontramos um casal de idosos no meio da subida que nos deixaram impressionados com tamanha vitalidade. Passamos por um lance de escalada em uma fenda de dez metros que demorei a crer que o caminho realmente era por ali.
Chegamos ao ponto de bifurcação entre o caminho de quem segue para a travessia (em frente) e outro que ia para o Marins (à direita). Um grupo de 10 pessoas passou por nós com mochilas de ataque, iam fazer a travessia em um dia. E nós tocamos em direção aos Marins.
Então passamos pela parte mais confusa da travessia. Havia muita nuvem e haviam totens para todos os lados. Conseguimos nos encontrar com a ajuda do GPS, passamos por um charco e paramos para almoçar num chapadão bem social, eram 13h. Em seguida chegamos ao acampamento um pouco antes do costão final até o cume. Alguns resolveram acampar por lá, mas a maioria seguiu e chegamos ao cume às 14h, com as nuvens aos poucos se tornando menos densas.
A área de camping era abrigada do vento, montamos as barracas e descansamos um pouco. Aos poucos chegavam cada vez mais gente, fomos explorar o cume e assistir ao pôr-do-sol. Davi, Silveira, Serginho e Gisele que haviam acampado lá embaixo, nos encontraram no cume. Nesta hora as nuvens se dissiparam, o vento deu uma trégua, limpou tudo. As montanhas se exibiram para nós, enchendo nossos olhos e as câmeras fotográficas de beleza. O sol se foi gracioso, deixando um tom alaranjado em um dos pontos mais altos de São Paulo*, até a escuridão enfim tomar conta.
O cume estava lotado, havia montanhistas que apreciavam a natureza e não-montanhistas que puxava fumo, falavam alto e colocavam música alta. Fizemos nosso jantar com direito a feijoada, estrogonofe com purê de batata liofilizado que estava com uma cara ótima. Em meio às conversas surgiu a história do temido Corpo Seco, um ser (ninguém explicou direito o que era) que sugava a alma dos montanhistas desavisados (é isso mesmo?? Rsrs).

Fomos dormir às 20h, a noite estava estrelada e o dia seguinte prometia ser lindo.
*A título de curiosidade, o Pico do Marins (2420 m) é considerado o pico mais alto de São Paulo a estar inteiramente dentro do território de São Paulo. Picos próximos como a Pedra da Mina (2798 m) e o Marinzinho (2432 m) são maiores, porém fazem divisa entre São Paulo e Minas (fonte: http:/ /pt.wikipedia .org/wiki/ Pico_dos_ Marins). Alguns consideram o Pico do Marinzinho como um setor do Pico do Marins, nomeando este último como o segundo ponto mais alto de São Paulo. Sejamos francos? Pontos altos de São Paulo: Pedra da Mina > Pico do Marinzinho > Pico dos Marins. O terceiro lugar não vai diminuir sua beleza.

2º Dia (19/04/15): Pico dos Marins - Acampamento antes do Itaguaré

A promessa foi cumprida, o dia amanheceu lindo. Acordamos 5h30 para ver o famoso nascer do sol do cume dos Marins. Davi subiu sozinho no cume para ver o espetáculo conosco. O sul surgiu tão gracioso quanto se foi, uma bola laranja, bem ao lado do Pico do Itaguaré, nosso destino na travessia. O tempo estava ótimo, com poucas nuvens, conseguimos avistar a Pedra Redonda, Marinzinho, Serra Fina...
Tomamos nosso café ao calor do sol com direito a um cafezinho de montanha delicioso, não ventava. Começamos a descida do cume às 7h30, Ivan Diesel estava sentido uma torção no pé e estava duvidoso se ia continuar a travessia, o que foi rapidamente esquecido depois do sangue esquentar. Na verdade sua disposição em caminhar era muito maior que a minha, por exemplo, rsrs. Enquanto descia o cume eu me perguntava quão delicioso seria descer aquele costão na chuva...
Encontramos com o pessoal que acampou embaixo e seguimos nosso caminho. Um pouco depois nos abastecemos de água em um rio escondido (um pouco acima do local aonde tinha a placa da existência de coliformes fecais), e com a as mochilas pesadas começamos a subida do Marinzinho, que de ‘zinho’ não tinha nada. Passamos por um charco que era necessário muita criatividade e fé para não afundar até o joelho, muitos não tiveram essa sorte... Nesta hora eu agradeci a Deus por ter comprado um bota impermeável alguns dias antes da viagem. Ótima aquisição.
Para a subida do Marinzinho era necessário ter mãos livres e firmes, qualquer queda faria um belo estrago. A pedra era bem aderente e afiada, todos ficaram com cortes nas mãos. O tempo estava ótimo e o visual era belíssimo, o que atrapalhou a subida de seu Emerson que não sabia se segurava na rocha ou pegava a câmera para bater foto rsrsrs... No topo do Marinzinho passamos pelo caminho que ia para o abrigo do Maeda, e seguimos em frente até a descida por corda fixa. Descemos, subimos, nos perdemos, nos achamos e finalmente chegamos na Pedra Redonda (que não é Redonda!!), aonde paramos para almoçar. As nuvens finalmente nos alcançaram e chuviscou por dois minutos, para depois o sol voltar com força total. Passamos por vários campos de capim maiores que nós, que era ótimo para se desorientar, mas o Serginho que ia na frente parecia que farejava o caminho. Um grupo que fazia a travessia no sentido oposto passou por nós surgindo do nada entre o capim gigante.
Chegou um momento em que entrei em uma espécie de transe devido ao cansaço e confesso que não me lembro de muita coisa, só de quão belo era o lugar. O sol estava forte, lembro que passei o protetor e isso me pareceu que atraiu a chuva, que começou a cair 5 minutos antes de chegarmos a uma área de acampamento grande o suficiente para nossas 6 barracas. Eram 16h, foi necessário um verdadeiro trabalho em equipe para montarmos as barracas sem molhar por dentro. Entramos nelas e ficamos conversando e ouvindo as piadas da Andreína, que cada vez ia se superando mais rsrsrs. In de pen dance Day?? Tá de sacanagem... a melhor!
Lá pelas 18h a chuva deu uma trégua, foi o tempo certo de prepararmos a janta, tão boa quanto à da noite anterior, com direito a arroz com caldo de galinha! Enquanto cozinhávamos, víamos a silhueta do poderoso Itaguaré em meio aos relâmpagos; estávamos sozinhos na montanha, sentimento maravilhoso. Nossa única preocupação era com a água que acabava e com as luzes que piscavam no meio do mato, o Corpo Seco nos observando...
Quando a chuva recomeçou percebemos o quão camarada São Pedro estava sendo. Nosso problema era a falta de água, ele manda chuva. Eu e Sandro colocamos a panela e o prato na calha da barraca e conseguimos captar 2 litros de água, problema resolvido. Fomos dormir às 21h e apaguei até o dia seguinte.

3º Dia (20/04/15): Acampamento - Pico do Itaguaré - Final da travessia

Acordamos às 6h, o céu estava limpo e as poucas nuvens estavam avermelhadas pela aurora. O Itaguaré nos observava todo charmoso, esperando nossa visita. Tomamos café e levantamos acampamento, às 8h já estávamos caminhando.
Não me recordo de quantas vezes tivemos que retirar as mochilas das costas para passar nos lugares apertados do caminho. Chegamos à base do Itaguaré às 9h30, deixamos as cargueiras por lá e atingimos o cume. O Itaguaré estava em meio às nuvens, e com seus 2307 m de altura, reinava soberano em seu entorno. Seus paredões e abismos me lembravam as Prateleiras, no PNI. Confesso que estava meio apavorada com a altura, diferente do Silveira que resolveu se pendurar na beirada do abismo para uma foto que não ficou tão boa assim... foi mal rsrsrs. As nuvens às vezes se retiravam, nos possibilitando a ver todo o percurso da travessia. Leandro resolveu explorar o cume e acabou encontrando um tesouro de um jogo internacional de caça ao tesouro (é isso??), em que se você retirar o “tesouro”, deve deixar outro no lugar.
Cume do Itaguaré
O Itaguaré para mim se resumiu em duas palavras: medo e fascínio. Em alguns pontos, qualquer escorregão resultaria na mais bela morte que um montanhista pode ter.
Descemos do cume e prosseguimos nossa caminhada. Passamos pelo tão esperado ponto de água e por áreas de acampamento belíssimas. A vontade era de ficar por ali, meditando em meio ao silêncio das montanhas, mas tínhamos de continuar.
Uma descida íngreme resultou em vários escorregões e nos vídeos mais engraçados da travessia rsrsrsrs. Encontramos um grupo de conhecidos da Keila que faziam a travessia no sentido oposto. A partir deste ponto a descida foi uma trilha na floresta, que massacravam os joelhos. Tempos depois naquela descida eu estava no já conhecido transe, só despertado pelo surgimento de um oásis: um rio caudaloso. Depois de 2 dias sem tomar banho, aquele foi um dos mergulhos de rio mais gostosos que já dei, renovou a alma.
Chegamos ao final da trilha às 13h, a Kombi do resgate já no local. Enquanto voltávamos para a base dos Marins, caiu uma chuva de serra gostosa. A região era muito tranqüila e bucólica, passamos por várias plantações de tomate que tivemos o prazer de experimentar alguns. Ao chegarmos na base, o almoço estava nos esperando, uma delícia, com direito a uma cervejinha para brindar a aventura.
De barriga cheia, nos despedimos dos companheiros de aventura e perrengue e pegamos o caminho, agora o certo, até a Dutra. Seguimos então para o Rio de Janeiro, para nossas preocupações bobas e cotidianas, que nos motiva a sempre buscar refúgio nas montanhas.
Valeu galera, foi uma viagem maravilhosa! Adorei conhecer esse lugar incrível, estar nas montanhas e com pessoas super alto astral! Partiu para próxima! BTBW!
Da esquerda para direita: Marinzinho, Pedra Redonda, Itaguaré, galera BTBW!

Mais um cume

Chegando...

Na van

Descendo o Marinzinho

Descida do Itaguaré

Pedra Redonda ao fundo

Pedra Redonda

Pico do Itaguaré

BTBW no Pico do Marins

Pico do Marinzinho



3 comentários:

  1. Parabéns, Rana Montanha. O relato ficou "Super". Ah, o casal de idosos que vocês encontraram éramos eu e minha mulher (rsrs). Obrigado pela citação e pelos elogios. Grande abraço pra toda galera.

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  2. Pessoal, mto bom o relato, estou pensando em fazer o mesmo roteiro .Vcs tem o contato da kombi do resgate? Estou procurando um para eu fazer a travessia esse mês.

    Abraço

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    1. Quem cuidou do resgate pra gente foi a Márcia do acampamento base Marins... Tel 12 996062531
      Ela faz resgate no carro dela ou no da pessoa. E se for grupo grande ela tem duas pessoas que fazem esse servico ( ela apenas intermedia no caso), que tem van e kombi

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